Renovação de tempos diferentes
Nesta noite surpreendi a lua a espreitar, por detrás das nuvens, suponho eu, pois estava escuro como breu, não dava para distinguir coisa alguma no firmamento. Só os feixes dos candeeiros de iluminação pública assinalavam que ali, na outra margem do rio, estão aldeias, existem pessoas. Este domingo de Páscoa é pois muito diferente de todos os outros, com as igrejas encerradas aos fiéis e aos que esporadicamente as frequentam, hoje seria um dia desses, sem flores colhidas na semana que antecede a festa cristã, as ruas e os templos estão despidos de alegria. Os trajes a estrear, os que só são usados neste dia, ficam nas gavetas, nos roupeiros, esperarão mais um ano, trarão outra satisfação a quem os usar. Não há no ar odores a pão cozido nos fornos a lenha, odores a cabritos e borregos a inflamarem lentamente até as suas carnes se soltarem. Numa festa onde se reclama a ressurreição, a natureza aos meus ouvidos transforma-se com as diversas melodias das aves que em pleno acasalamento não param, novas flores brotam diariamente, cobrindo o território. O silêncio também se tornou audível, a quem não estava habituado a ouvi-lo, muitos não o suportam, para outros é companhia dominante desde sempre. Para mim, numa cidade do interior o silêncio foi quebrado pelos sinos das aldeias limítrofes a tocarem a aleluia, toques de alegria avisando a renovação de tempos diferentes.