As nuvens ameaçam coisa nenhuma, não sei se virão leitores, o largo em Alferrarede permite a passagem de uma aragem amena, de pessoas alheadas sem perceberem a vibração das palavras, nas histórias da biblioteca ambulante. A libertação de emoções acumulada na camada espessa de páginas sem fim. Ou as explosões que ocorrem no interior dos leitores todas as vezes que as palavras atingem o hipocentro, a alma das pessoas. Caminham apressadas, com os olhos postos no chão, como se (...)
Há momentos em que o vento levanta a voz, repreendendo o lugar, matreiro solta o cabelo às mulheres, impele e trava os que andam na rua dependendo o sentido que tomam. Agita as folhas secas no chão, fazendo-as rodopiar como as bailarinas no palco. Chama as nuvens, leva tudo à frente, está endiabrado, não o sentia assim há muito tempo. Ao contrário, estão os leitores, preguiçosos, não querem reclamar, saber das histórias novas. Desabafarem da afronta do vento a bater-lhes com (...)
O sol enche o largo, uma clareira própria da cidade, rodeada por edifícios em Alferrarede. Com intervalos longos é atravessado por gente apressada, desinteressados na biblioteca ambulante e das suas histórias. O carteiro com o seu veículo cheio de correspondência, contas para pagar, invade o largo para estacionar defronte da entrada de um deles. Sai do interior do mesmo com uma resma de envelopes para distribuir nas respectivas caixas do correio de cada condomínio. Um dia destes (...)
No terreno situado junto ao lugar onde a biblioteca ambulante se demora na aldeia da Foz, uma mulher colhe tomates para dentro de um balde. O olhar sábio leva-a a escolher os que estão prontos para cozinhar, os que se envolvem com a alface nas saladas num momento de amor e sabor, os que se golpeiam com os dentes. Um leitor quando se abeira das histórias na biblioteca ambulante atira-se igualmente com o olhar que sabe muito. Prudentemente, vai seleccionando as histórias, (...)
O verão chega agasalhado, apoiado aos ombros traz um casaco comprido, quase até aos pés. O frio nas aldeias da minha terra continua mandrião. A leitura absorve-o, no hemisfério sul estão cansados de o solicitar, com palavras, há os que gritam do outro lado do mundo, para se apressar a apaziguar os dias endiabrados de calor. A indecisão na história, sobre o clima, assimila os seus medos e alegrias. Está inerte no leito do tempo, com os olhos fixados na história, quer saber como (...)
Em Bemposta, aldeia de transição para outras aldeias nas viagens e andanças, as mulheres andam a caiar os muros defronte das suas casas. Vai haver festa, com início na próxima quinta feira (Ascensão), até domingo. A limpeza dos muros com cal, situados à beira da estrada, denuncia a proximidade do acontecimento. E o sentimento de satisfação por receberem os forasteiros e familiares que se encontram distantes, não esquecem os dias de alegria na aldeia, regressando sempre, matando (...)
Num dos confins do território das aldeias da minha terra, a biblioteca ambulante com as portas abertas tenta a sua sorte, na eventual presença de algum leitor. Adiante, o limite da região das viagens e andanças impede as histórias de irem mais além. A fronteira é uma linha imaginária, os automóveis aproximam-se oriundos dessa linha, outros dirigem-se na sua direcção. A escrita não tem fronteiras, as palavras disseminam-se como a tinta derramada de um tinteiro, deixando a (...)
A manhã está fria, o sol vai e vem, num jogo de escondidas com as nuvens. Nesta brincadeira de crianças, a chuva é uma concorrente cada vez mais forte e tem possibilidade de ganhar. A água é gelada ao atingir o meu rosto e as mãos, como é possível, uns dias atrás usarmos roupa de verão, e hoje trajarmos agasalhados. Está tudo virado ao avesso, ou andamos a ler a história ao contrário. Neste tempo intranquilo, não há melhor do que visitar as aldeias da minha terra, não (...)
A neblina esbateu o início das viagens e andanças, como se um lápis a carvão cobrisse levemente a manhã. Não demorou muito ao desenhador, vincar o brilho à obra, tornando-a mais alegre, com cores de fazer arregalar o olhar do bibliotecário da biblioteca ambulante. As cegonhas batem o bico, fazendo saber às outras da presença das histórias. Não sei se é por receio, ou curiosidade, de ficarem para sempre presas nas páginas das histórias, ou quererem fazer parte das mesmas, (...)
Há sempre uma história no canto, num recanto, ou qualquer lugar onde ninguém experimentou explorar. A acessibilidade não é problema, qualquer leitor pode alcançar histórias em locais pouco frequentados. Foi o que a leitora fez, as suas mãos, habituadas a mexerem na terra, descobriram as sementes que desenvolvem o conhecimento. Tem uma assiduidade regular, a leitura é a sua companhia nos momentos de intranquilidade ou mesmo de alguma inquietação. Fossem assim todos os leitores, (...)