O vento fustiga as aldeias da minha terra, esgota a paciência, ouço as pessoas a falarem sozinhas na rua, ralham com a aragem pestífera, com os cabelos inquietos, com elas próprias, pelo dever de andarem na rua. A incumbência de virem à biblioteca ambulante não é reclamada, entram desarranjadas pela força da ventania, pela vontade de quererem ler histórias. Livram-se do cansaço causado pelo mal-estar da ventania, a pesquisarem histórias, lendo pequenos excertos, ou (...)
Máquinas de trabalho a biblioteca ambulante e a máquina de desterroar, incansavéis no comportamento a abrir caminhos amplos, ao conhecimento, à acessibilidade. Ambos importantes no trajecto do crescimento das pessoas. As histórias na biblioteca ambulante minimizam as dificuldades daqueles mais longínquos dos lugares sobranceiros, têm ainda assim o acesso que a máquina de desterroar constrói. Mas, para alguns a insuficiente capacidade de conhecimento adicionada à idade, não (...)
A temperatura intrometeu-se de tal maneira na manhã, adivinho um dia quente nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Mais logo a primavera varre o inverno, embora fiquem por aí umas migalhas de frio ou chuva, afoitas a manter-mos alguns agasalhos por precaução. A charneca verdejante convida os forasteiros a conhece-la melhor, os trilhos conduzem-nos a lugares incógnitos, é mais ou menos estarmos a seguir as palavras de uma história, os caminhos são (...)
Hoje a biblioteca ambulante ganhou uma nova leitora, falou-me que tinha lido uma "reportagem" na internet sobre a biblioteca. Disse-lhe, por detrás da internet há pessoas atentas, viajantes digitais a enriquecer os caminhos. Foi numa dessas jornadas que depararam com o viajante das viagens e andanças a conduzir um veículo forrado a livros no interior. Curiosos, seguiram-no, no rasto da biblioteca ambulante pelas aldeias da sua terra, a pouco e pouco aperceberam-se do trabalho (...)
Hoje o Lucas acenou-me defronte ao espaço de comercialização e montagem de pneus que lhe pertence, a biblioteca ambulante aproximava-se pela estrada que a levava ao Vale Zebrinho, lá estava ele de braço levantado. Nunca estive com ele pessoalmente, somos conhecidos através da amizade numa rede social. A nossa relação não passa disso, temos qualidade para nos saudarmos cada vez que cruzamos, sempre no mesmo sítio, espero que leia a crónica e numa próxima vez quando se aperceber (...)
Diálogos entre leituras e bordados, escrita arcaica para alguns, linhas e agulhas transmitem no tecido relevos impossíveis de contar no papel. Só estas mãos experientes, cansadas e marcadas profundamente na pele por linhas da vida, conseguem efectuar. A leitura esteve presente, momento propício para dar descanso aos membros superiores do corpo. As conversas trouxeram outros tempos, a infância, a pouca escolaridade, suficiente para serem leitoras da biblioteca ambulante. Para (...)
A biblioteca ambulante no início um quebra-cabeça, hoje a peça de ligação a incluir de aldeia em aldeia o acesso à leitura. Não anda de vento em popa, há interrupções para ouvir o silêncio, o vento a espalhar histórias, as memórias do passado. Ouvir as pessoas, romper a solidão.
A nudez do vale trouxe-me com as histórias, não chegámos sozinhos, mais atrás vem o inverno, juntos viemos perturbar o silêncio. Desta vez não há excesso de tranquilidade, há vida no vale, o ruído do sangue da terra a escorrer, nas artérias, enchendo veias há muito secas, não pára. O barulho da enxurrada ecoa em todo o vale, supera o alvoroço das pessoas, das aves, alarmadas pela felicidade da terra. O sol despontou, retirou autoridade a alguma aragem fria que possa soprar, (...)
Esmagada sob um céu escuro e, abarrotado de água, a manhã tem sido proveitosa na deslocação de leitores à biblioteca ambulante. Não esperava esta assiduidade, a chuva não os demoveu de restituírem as histórias requisitadas na última visita. De maneira ininterrupta a chuva espalha vida nos campos desejosos de encherem o ventre, no qual os animais dispersos nas pastagens e, na charneca irão beber até ficarem saciados. Os leitores não se embaraçam, deambulam no reduzido (...)
O silêncio no vale ouve-se por toda a parte, não é estranho esta ausência de ruído, a vida animal colabora no momento, que se esconde à vista. Aquele ruído peculiar da cedência de uma página para a outra não existe, o silêncio das histórias é severo no vale. O silêncio das pessoas é preocupante, os velhos não conseguem fazer-se ouvir, os gritos da solidão não têm força, não há lugares com vista para o mar. Há janelas olhando o vento que lhes levou os filhos, (...)