A fina neblina permanece estável em toda a planície, após a ponte das Areias o extenso vale que acolhe a aldeia da Bemposta, parece saído de uma história. Os traços do sol espalham-se na planície, nos panos verdes, babetes gigantes a rodearem as oliveiras, impedindo o fruto perder-se no meio das ervas. Há mais gente com paus a baterem na ramagem das oliveiras, agachados no chão, separando as pequenas letras pretas com as quais se escreve a palavra azeitona das folhas, há sacos (...)
Foi a mandriar que o sol se levantou, o rio lançava vapores confundindo os mais distraídos que o atravessavam na ponte para além Tejo. No campo, sob as oliveiras os panos verdes recebem azeitonas expulsas pela violência das varas a bater na ramagem, homens e mulheres, corcovados, apanham os bagos pretos. Segundo estes sábios, não está a ser um ano de muita azeitona, a pouca que resistiu a um ano difícil desenvolveu-se com as últimas chuvas, subitamente ficaram mais volumosas. (...)
As queimadas que se fazem notar no meio dos campos, nas hortas próximas das casas, onde a estrada que leva a biblioteca ambulante, rasga a tranquilidade das aldeias e lugares, parecem fumarolas como as que ocorrem nas regiões vulcânicas. Partes lenhosas das recentes podas efectuadas nas oliveiras após a colheita da azeitona ardendo, transformam repentinamente o olhar do viajante das viagens e andanças com letras em fantasia. Os campos são agora os da região ocupada e (...)
Come-se castanhas assadas na aldeia da Concavada, no largo, sentados junto a uma mesa alguns locais não se esgotam de as levar à boca e engolir, acabadas de assar no resto do carvão que tostou os frangos antes do almoço. Defronte da biblioteca ambulante, no lado oposto, a viatura que traz a fruta e os filhos das galinhas preparados para o grande assador tem o fim de um dia de negócio à vista. Amanhã será outro dia, outra aldeia, assim como a biblioteca ambulante, percorre (...)
Ultimamente as manhãs têm-se iniciado confundindo o viajante das viagens e andanças, a névoa é tanta que nunca se sabe como crescem e terminam os dias. À primeira vista a leitura ficou para segundo plano, não é bem assim, os dias agora são pequenos para a colheita da azeitona e para frequentar a biblioteca ambulante. Só há tempo para a primeira, ainda o sol se espreguiça já os panos de cor verde se assemelham a tapetes numa enorme sala em volta das oliveiras. As (...)
As copas das enormes árvores sobressaem com a cor das suas folhas douradas no cinzento, um cinzento mais escuro nas nuvens paira no horizonte ameaçador em Vale Zebrinho. Não muito distante do local onde a biblioteca ambulante permanece, o som de uma moto-serra a separar pequenos ramos amontoados, sobras da colheita da azeitona. Não há ninguém próximo, de vez enquanto surge uma viatura interrompendo a tranquilidade do lugar. A chuva veio alterar esta pausa no tempo, o (...)
Os ramos da oliveira agitam-se de um lado para o outro rapidamente, não é o sopro do vento. No meio da ramagem, um braço esticado onde as mãos seguram um pau curto que bate violentamente na folhagem. As azeitonas soltam-se desencadeando uma saraivada na direcção dos panos ao redor da árvore. As mulheres não se atrevem a subir pela árvore acima, em baixo ripam a azeitona que está nos ramos que são cortados inteiros para favorecer o crescimento da árvore. Nem se apercebem da (...)
De volta à estrada, às aldeias da minha terra, longe da ribalta regresso às pessoas, à escrita onde as palavras se soltam mais facilmente. Na aldeia do Tubaral, no largo onde tudo acontece, enquanto a padeira não chega, os diálogos giram em torno da azeitona, alguma não está madura, está assim na charneca, está assado... A chuva anunciada para o final da semana, está a apoquentar quem ainda não iníciou a colheita e tinha planeado o período de descanso mais longo que aí (...)
Os homens ao sol assemelham-se aos lagartos, apesar de manterem a temperatura independentemente do meio, ao contrário dos lagartos, incapazes de aquecerem os seus corpos sozinhos. A conversa desenrola-se entre eles sem obstáculos, as palavras saem em catadupa. Uma mulher aproxima-se, traz uma vara comprida numa das mãos, na outra um balde cheio de panos. Revela que andou a colher azeitonas nos terrenos declivosos que por aqui existem. Ainda me lembro de ouvir falarem do frio, dos dedos (...)
O sol deu uma folga à chuva nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, nas charnecas, terras de ninguém, de liberdade, onde cabem todas histórias, as urzes são as únicas que ainda resistem coloridas. Com os dias cada vez mais pequenos, a biblioteca ambulante e as histórias prolongam a continuidade dos mesmos com letras e palavras, que saltam à vista daqueles que descansam após um dia de trabalho, acalorando sob o fogo intenso das lareiras as suas (...)