A água na bica não se cansa de correr, é a terra a expressar-se, a revelar-se aqueles que matam a sede na fonte, ao viajante das viagens e andanças. Ao bebermos dela ouvimos confidencias, as palavras alegres, os queixumes, a leviandade de alguns a cuida-la. Na Aldeia do Mato a leitora aproxima-se a mencionar que não vai levar histórias, só quer conversar comigo, está acordada há algum tempo e sou a primeira pessoa que encontrou. Aos seus olhos os terrenos e casas abandonados e (...)
O bairro de manhã não quis participar, na aldeia, de tarde, estavam à nossa espera, a biblioteca ambulante e o projecto social, parceiros no combate à solidão e ao isolamento. Será uma semana de leitura, de histórias, de momentos exclusivos partilhados entre todos. Na periferia as pessoas isolam-se, enfiadas nas fracções dos prédios, sem contactarem com o vizinho do lado de cima e de baixo, ali estão espreitando detrás dos cortinados, das persianas. Olham as cadeiras vazias, (...)
A música do rádio embala-me, e a escrita começa a correr na folha de papel imaculadamente branca. A pureza da substância de origem vegetariana anima o viajante das viagens e andanças a explorar o desconhecido, a deixar a peugada, o rasto se assim quiserem. Não é mais com o que faz a conduzir a biblioteca ambulante, os dias nunca são iguais, a expectativa não esmorece, a possibilidade, nunca a impossibilidade, de encontrar novos leitores, pessoas novas são a grande vontade da (...)
Diálogos entre leituras e bordados, escrita arcaica para alguns, linhas e agulhas transmitem no tecido relevos impossíveis de contar no papel. Só estas mãos experientes, cansadas e marcadas profundamente na pele por linhas da vida, conseguem efectuar. A leitura esteve presente, momento propício para dar descanso aos membros superiores do corpo. As conversas trouxeram outros tempos, a infância, a pouca escolaridade, suficiente para serem leitoras da biblioteca ambulante. Para (...)
Transitando numa das estradas que leva a biblioteca ambulante ao encontro dos leitores observo ao longe alguém caminhando na berma da estrada de braço erguido com a mão oscilando de um lado para o outro em saudação. Mais próximo reconheço um leitor, efusivamente não parava de acenar à biblioteca, abrandei retribuindo o gesto simpático. Uma chuva miudinha apoderou-se à chegada em Martinchel, a perseverança da água inunda a tarde, não impede as pessoas de realizarem trabalhos (...)
O frio não demove a chuva mesquinha a cair obstinadamente nesta manhã na Aldeia do Mato. Sem abrir as portas da biblioteca ambulante espero pacientemente por leitores aventureiros. Estou como o pescador lá em baixo no rio, aguardando sem perder a calma que o peixe caia na armadilha presa no anzol. Não têm conta os lançamentos da linha de pesca efectuados para a água até o peixe ser apanhado nas falsas afirmações do isco. No interior da biblioteca, sem linha, com a chuva a (...)
É com alegria que estaciono a biblioteca ambulante na Abrançalha de Baixo, encostada ao café da Associação de Moradores. Coloco os jornais e revistas nas mesas, sento-me, gosto de os ouvir, entre leituras, conversas sobre água pé, provas, o São Martinho, o som das folhas de um lado para o outro, apressadas para não perderem pitada da conversa. Mulheres e homens bem dispostos, gargalhadas à mistura, são trinta e poucos minutos de magia. A indulgência do sol ao início da (...)
O sol não consegue impelir para longe o ar frio na Aldeia do Mato, na fonte da aldeia a água continua a romper, também é ela que chama as pessoas à povoação, atestam garrafões como se não houvesse amanhã. É com desprazer que olho a felicidade da fonte ser tão útil, a minha só às vezes consegue matar a sede, não tem a afluência desta, a disparidade está no inesgotável fluxo de palavras. Nesta fonte as palavras não correm risco de seca, no passado fecharam-nas, não (...)
O estranho acontecimento do gafanhoto que gostava de ler livros do Stephen King, teria tudo para ser um título de uma história divertida. O personagem principal, quem se lembraria de um insecto saltador, leitor assíduo de histórias de um romancista norte-americano. Na história lerá saltando de linha em linha, de uma página para a outra, transporá demasiadas páginas de uma só vez, para voltar atrás noutro salto e recomeçar. Aqueles olhos esbugalhados, conseguirão envolver as (...)
Os panos dos chapéus de sol esvoaçam como se quisessem levantar voo, como muitas pesssoas da aldeia o fizeram. A biblioteca ambulante vai pousando aqui e ali, nas aldeias, umas com leitores, noutras nem por isso, um, dois, são os números que fazem levantar voo as histórias. Empurradas pelo vento que nasce na charneca, chegam às partes mais distantes do território que abrange o itinerário. Há dias de sorte, onde o tempo é apressado, os leitores, a leitura comentada, conversa (...)