A bengala ampara a estrutura física, a história um argumento portador de estímulo. A velhice não é sinónimo de interrupção, a caminhada continua a realizar-se, mais limitada indubitavelmente. Na companhia dos objectos certos, pode-se avançar no tempo, viajando, a perdurar memórias nas histórias vividas, mesmo as impressas, escritas por viajantes que nunca desistiram de percorrerem extensas planícies desertas, ou colinas de páginas brancas movendo-se pela acção do (...)
O verão é um príncipe e agora quer usurpar o reinado da rainha primavera, a história tem-nos mostrado episódios iguais com o passar do tempo. O suspeito, homem, interferente na divisão que enquadra seres e coisas, está a mudar a forma como sempre conhecemos as estações meteorológicas. A biblioteca ambulante permanece na aldeia de Sentieiras, são onze horas e vinte e dois minutos e estão trinta graus celcius no termómetro, os leitores chegam a protestar da temperatura (...)
Outro dia com as mesmas histórias a serem lidas em aldeias diferentes a norte e a sul. A ponte, estrutura importante para transpor o rio Tejo, dá acessibilidade à biblioteca ambulante, há vizinhança que habita em ambas as margens. Há sempre histórias verdadeiras para trazer, da feira anual de Alvega, dos vestidos de seda estreados por cada uma nesse dia. Arrumados nos roupeiros, não os perdiam de vista nos dias que antecediam a feira, prognosticando como lhes assentariam no (...)
O nevoeiro esconde os automóveis nos oito quilómetros da autoestrada A23 que a biblioteca ambulante percorre sempre que o itinerário reclama. Cada um transita na sua bolha sem ter hipótese de avistar os que vão à frente ou vêm na traseira, ou mesmo a superar-nos na faixa da esquerda. Com a leitura é quase o mesmo, as histórias à mão de semear em cada aldeia, e há quem caminha próximo sem qualquer curiosidade de espreitar. Vão apressados, ultrapassam sem assinalarem a (...)
O dia amanheceu frouxo, poucos automóveis na estrada, a ausência de pessoas nas ruas, possivelmente a recuperarem dos últimos dias de festa, receando talvez a chuva aproximando-se. Na aldeia estas hipóteses não têm pernas para andar, na exígua esplanada do estabelecimento os homens sentados estão animados, seguram as minis como quem agarra um troféu, e quanto maior for a sequência destes levantamentos direccionados à goela, mais vencedores são. Hoje não querem saber de (...)
As árvores despem-se sem pudor, na sensualidade das folhas a caírem após despegarem-se daqueles que foram os embriões das suas curtas existências, espirais ao redor de uma vara imaginária, num bailado no qual os meus olhos se enamoram. A serenidade das cores acompanha a despedida tranquila destes pedaços cheios de nervuras, filamentos que transportaram vida terminam no chão frio e molhado. A agitação do vento parou, agora é tempo de colocar os enfeites de Natal no (...)
Podia estar a olhar a chuva que cai sem bondade, mas não é bem assim, a fotografia foi roubada ontem debaixo de um sol tímido ao início da tarde. Ao fundo a pesquisa avança vagarosamente, alguns factores a ter em consideração para a escolha acertada. Entre eles a estatura das letras, a vista há muito que perdeu dinamismo, excepto nos olhares transmitindo gratidão, e tranquilidade. Conseguem interpretar a história com passividade, a pouca intensidade da vida que atravessam (...)
As azeitonas estão pretas nas oliveiras, o fumo das chaminés foi denunciado pelo odor que não deixa ninguém indiferente. A tarde amena não aguenta o fogo da lenha a arder nas lareiras, o frio não se impôs para tamanha ousadia neste outono chuvoso. Os ossos dos velhos não resistem à queda das folhas, eles e as árvores necessitam de energia, à noite a determinação da temperatura não é a mesma, persuadindo o frio a despertar. As lareiras passam a ser as rainhas das (...)
A manhã quase a chegar ao termo do crescimento e nós metidos onde todos os dias se negoceia a escolta do peixe, e da carne nos pratos das refeições. Com espaço ainda para café e bebidas frescas, sempre guiadas com boas conversas, foi o que viemos estimular. Uns estão sempre, cada vez que a biblioteca ambulante aqui permanece, apareceram outros para ouvir a leitura da história. Devagar, como se adicionassem pequenas moedas para pagar o pão, os ouvidos interiorizam as palavras, o (...)
A dinâmica que um jornal exerce em quem o lê impressiona, a leitura emparelhada, comentada em simultâneo entre o folhear teimoso das páginas sem força para enfrentar a suavidade da aragem. A leitura não lhes diz nada, as histórias nunca conseguiram atrai-los, mas o jornal, a descrição do movimento que a bola leva, a finta, o passe, o remate e o golo. É o mundo deles, ouvindo-os, percebo que são jogadores de palavras, de certezas, jogam melhor que os intervenientes do artigo de (...)