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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

O sol continua oculto sob a camada impenetrável de nuvens cinzentas, manifestando a intenção a qualquer momento de não susterem a água acumulada. A primeira hora no segundo período do dia, trouxe mais brilho, o som estrondoso de uma porta a bater, sobressaltando os personagens das histórias, e o viajante das viagens e andanças. A mulher saiu disparada, de acordo com o movimento desajeitado do andamento, falando sozinha. Sei lá o que irá proferindo com os botões da bata que (...)
O ar quente espalha as primeiras folhas, os papéis dispersos pela rua adiante,  os segredos que deixaram de os serem, no largo da escola, na aldeia do Pego. Faz subir a biblioteca ambulante, um balão de cor amarelo e branco, a voar sobre os campos, as aldeias da minha terra. Lá em baixo, junto ao fontanário, uma bicicleta, e um homem a colocar livros na caixa de plástico apoiada numa base, atrás do assento. A biblioteca ambulante paira sobre o largo, observa as crianças a (...)
É agradável sentir a aragem a desoprimir a tarde, o sufoco, companheiro indesejável nos últimos dias, nas viagens e andanças pelas aldeias da minha terra. No ar as palavras rodopiam alegres, há muito que não as ouvia desprendidas. O sorriso na boca das pessoas é mais largo, vejo-o nos rostos aliviados do peso do calor, na esplanada do café do largo. Não é preciso ganhar coragem para abrir a boca e falar sem parar. Há lamentos, os dias seguintes não serão melhores. Há (...)
Hoje ainda não vi o sol, se aparecer com a energia de ontem, não faz falta nenhuma. Viria estragar a frescura do início do dia. Trazer outra vez a melancolia, a fadiga ao viajante das viagens e andanças. Falta de vontade para agir, basta, as pessoas não se deslocarem à biblioteca ambulante para olharem curiosas, interessadas em levarem histórias. Estão afastadas da rua, da aldeia, fogem de um interior sem calor humano. Privadas dos raios brilhantes da esperança. Não querem saber (...)
Outra aldeia, mais uma romaria prestes a acontecer. O verão é farto em romarias, nas aldeias as ruas nunca deixarão de estar engalanadas até ao regresso do outono. Atraem os forasteiros, os filhos da terra, não é só a palavra solidão a fazer companhia. A palavra cozinha irá estar sempre presente nos dias vindouros, a preparar refeições para eles. A palavra brisa refresca-os após as noites de folia, a bailarem, até olharem a palavra céu, verem a lua a iluminar a noite. (...)
As Festas da Cidade terminaram, é tempo de regressar à estrada, aos leitores, às aldeias da minha terra. No campo, na orla do caminho alcatroado, as flores que nunca deixam de espreitar, acenam alegres a volta da biblioteca ambulante, das histórias. Na aldeia da Concavada, pouco antes de estacionar, houve quem não tirasse os olhos das letras impressas na carroçaria, da capa gigante, que protege, as memórias, os acontecimentos, reais ou imaginários. Atmosfera de encantamentos, (...)
Na aldeia do Pego o homem da bicicleta voltou ao largo da escola, do fontanário que deita palavras, sempre que se abre a torneira. As nuvens também voltaram, são uma grande unidade de forças aéreas, constituídas por um número variável de obras escritas, compostas por capítulos, frases independentes, além de curtas palavras de combate ao solo. Deixaram poucas clareiras azuis abertas, talvez seja uma estratégia para iludir, dar esperança, e oportunidade aos leitores para se (...)
No recreio da escola as crianças correm atrás umas das outras, querendo agarrarem quem segue adiante, ou alcançarem um futuro. Os sons agudos ocupam o pequeno largo onde está a biblioteca ambulante, esvaziam a atenção e o pensamento, a organização da sala de aula. De um momento para o outro, toda esta agitação foge do largo, o lugar do recreio fica vazio, a porta da escola fecha-se. Regressaram ao contacto das matérias, ao que é objecto de conhecimento e estudo. O fontanário (...)
Na pastagem a disputa pela erva macia está ao rubro, com os mais novos a não largarem a sombra das progenitoras. Os que estão de pança cheia, estão deitados a aproveitarem os raios do sol, indiferentes ao que se passa ao redor. Enquanto as nuvens não impedem os traços do sol, acertarem no lugar onde os animais pastam. Na rua a conversa está ao rubro defronte do café, vozes roucas, competem pela sua vez de falarem, ao mesmo tempo só gera confusão e ruído. O cheiro intenso, (...)
Andam inquietos, o mundo está complicado, espiam quem entra no café, um copo oferecido é bem melhor do que largar uns euros. Não está fácil, o dinheiro não estica, o vício fica sempre em primeiro lugar, barbas por escanhoarem, vagabundos assalariados, de um sistema cego. O vento intromete-se nas viagens e andanças, nos leitores da biblioteca ambulante, as histórias chegam apertadas pelas mãos que as trazem, as palavras presas não servem para nada, leram-nas, gostaram tanto e (...)