Na varanda, onde muitas vezes repouso o olhar, começo a distinguir para além do rio, ao longe, a aldeia de Arreciadas, repentinamente uma vaga de memórias alcança a minha ausência do momento. No pequeno banco sentado, o João e um saco cheio de histórias pousado no chão, aguarda a chegada da biblioteca ambulante. Agora que as histórias se afastaram, continuará o João nos dias assinalados estar de olhar atento lá em cima onde a estrada desemboca no princípio da aldeia, (...)
Estou a escrever sem saber que palavras surgirão do meu raciocínio. É uma autêntica aventura escrever por linhas ainda por explorar após tanto tempo sem teclar, sem inspiração, sem motivo que me aguçasse a vontade de voltar à caligrafia. Penetro no espaço em branco, receoso, sem saber bem que letras pressionar pela ação dos dedos. Foi muito tempo, não sei, amanhã, noutro dia, voltarei a ter disposição para continuar a escrever? Este tempo desconhecido em que (...)
Já perdi a contagem ao número de livros, para ser verdadeiro nunca os contei, foi só um método mais pretensioso de iniciar o texto. Mas foram muitos os livros que passaram sob o olhar atento dos olhos e pela segurança destas mãos e dedos desenvoltos a folhear as suas páginas e que escrevem este texto, lá isso foram. Livros grandes, livros pequenos, espessos e delgados. Alguns com as folhas amarelas de tanto tempo guardados nos depósitos, esperando a oportunidade de (...)
Fugi, desapareci, dormi de noite , dormi de dia, andei por aí. Estou aqui, lembram-se de mim? Do que escrevi? Não redigi uma única letra, palavra ou frase, ausentei-me das histórias, afastei-me das viagens e andanças, das aldeias da minha terra. O regresso não está previsto, por enquanto as histórias continuam nas prateleiras, na escuridão, no interior da biblioteca ambulante. Passaram demasiados dias, semanas, eles ainda acreditam? Será que perderam a esperança de voltar a (...)
Um vento que não agoira nada de bom associado a uma temperatura assinalada na breve paragem, talvez descansando um pouco da subida abrupta logo de manhã, do mercúrio nos 25º do termómetro fixado na parede da cozinha. Esta intensidade não se fica por aqui, o mercúrio continuará a galgar vários patamares, chegando mesmo a ultrapassar os 30º e num último esforço se colar perto dos 35º. Continuo sem viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, apesar deste (...)
Perdi a liberdade De caminhar e frequentar espaços públicos Perdi a liberdade De estar com a cara destapada Perdi a liberdade De realizar as viagens e andanças Perdi a liberdade De visitar as aldeias da minha terra Perdi a liberdade De dirigir a biblioteca ambulante Perdi a liberdade De dar histórias de encantar De dar histórias de sonhar De dar histórias de chorar Perdi a liberdade De falar com gente com quem gosto de dialogar Perdi a liberdade De voar De me realizar
O sol impiedoso sufoca quem permanece debaixo da sua grandeza, assim sem mais nem menos transpusemos o inverno, a primavera ainda vigora mas só no calendário, não se deu por ela. O vírus ofuscou tudo, é ele que comanda a continuidade da nossa existência, estamos perante uma ditadura bacteriana global.
Mais umas viagens pelo espaço de um papel em branco, não pelas aldeias da minha terra, onde a observação e a presença trariam um testemunho atual da existência daqueles que privam com a biblioteca ambulante. No papel, tendo como veículo de transporte a caneta, e o entusiasmo por me atrever a viajar em algo inviolado, conduzindo a caneta, sem ter a certeza que palavras tomar para chegar a frases com sentido. Que orientem sem ter que parar repentinamente, riscando, ou (...)
Outro dia a enganar o tempo, o que não acontece com o astro que se ergueu cheio de vigor no lugar do costume. Num tempo em que as cartas manuscritas são património da correspondência, onde os carteiros presentemente não esgotam o volume de encomendas que entregam. Sou testemunha pela observação diária de viaturas dos CTT e das empresas de entregas, na rua onde habito, cá em casa também as recebemos. Fico com um sentimento de cobiça ao vê-las estacionadas de portas (...)
Andamos confusos, procedemos como a lagarta do bicho-da-seda, simultaneamente rastejamos e permanecemos protegidos no interior do casulo. Aguardamos que nos transformemos em borboletas, ganhamos asas, libertarmos o que nos prende, voamos, levantamos e viajamos que a vida continua. Em seguida a borboleta deposita ovos e morre, nós recuperamos os momentos que deixamos para trás, com novas atitudes, e objetivos redobrados.