Não está no planeamento, uma e outra têm existências independentes, são guiadas para uma mesma direcção, as pessoas. Hoje encontraram-se ambas na aldeia do Crucifixo, vão estar juntas durante a tarde, segue-se a vila do Tramagal. A papelada e as histórias andam sempre desencontradas, a norte, e a sul do rio Tejo, pelas aldeias da minha terra, uma vez por outra descobrem-se uma à outra. Neste momento a Carrinha do Cidadão tem um freguês sendo informado sobre o assunto que o (...)
Apostaria a leitura de meia dúzia de histórias em cada mês do verão, para isso acontecer a temperatura atmosférica não ultrapassaria os 30º Celcius. Hoje a cor azul do céu dissolveu-se no pano cinzento, a poucos dias de se abrirem as portas ao estio, há muito anunciado como um dos piores, seco e quente. Dante Alighieri nos seus melhores dias nunca imaginou que o conceito do seu Inferno poderia acontecer, ser adaptado, no futuro, aos dias de hoje, nas aldeias da minha terra, (...)
Outro dia com as mesmas histórias a serem lidas em aldeias diferentes a norte e a sul. A ponte, estrutura importante para transpor o rio Tejo, dá acessibilidade à biblioteca ambulante, há vizinhança que habita em ambas as margens. Há sempre histórias verdadeiras para trazer, da feira anual de Alvega, dos vestidos de seda estreados por cada uma nesse dia. Arrumados nos roupeiros, não os perdiam de vista nos dias que antecediam a feira, prognosticando como lhes assentariam no (...)
O dia amanheceu frouxo, poucos automóveis na estrada, a ausência de pessoas nas ruas, possivelmente a recuperarem dos últimos dias de festa, receando talvez a chuva aproximando-se. Na aldeia estas hipóteses não têm pernas para andar, na exígua esplanada do estabelecimento os homens sentados estão animados, seguram as minis como quem agarra um troféu, e quanto maior for a sequência destes levantamentos direccionados à goela, mais vencedores são. Hoje não querem saber de (...)
Os campos acumulam charcas instantâneas onde as cegonhas se recreiam, as bermas que ladeiam a estrada levando a biblioteca ambulante não conseguem suster a água, atravessando a mesma sem vergonha ao ponto de a submergir. As ribeiras transformaram-se nos rápidos do Grand Canyon. A charneca é uma cascata enorme, a água brota em todo o lado, nasce do interior da terra, rasga trilhos, causando enormes fissuras longitudinais. Homens e máquinas não param, limpam os caminhos de água e (...)
Foi a mandriar que o sol se levantou, o rio lançava vapores confundindo os mais distraídos que o atravessavam na ponte para além Tejo. No campo, sob as oliveiras os panos verdes recebem azeitonas expulsas pela violência das varas a bater na ramagem, homens e mulheres, corcovados, apanham os bagos pretos. Segundo estes sábios, não está a ser um ano de muita azeitona, a pouca que resistiu a um ano difícil desenvolveu-se com as últimas chuvas, subitamente ficaram mais volumosas. (...)
O largo tem pessoas, sentados sob a esplanada que acompanha o desvio que a calçada tem para a entrada da rua ser ampla. Defronte, estão mais mesas e cadeiras ocupadas por mulheres, falam sem parar, raspando pequenas cartolinas da sorte. O homem que assa os frangos, vende hortaliças, flores e sei lá mais o quê, arruma o negócio na carrinha sem tirar o cigarro da boca. Acompanhado por outro que tem a totalidade do rosto coberto por uma espessa manta de pêlos, sobressaindo o (...)
A chuva não abrandou, o rio de palavras continua enredado pelas aldeias da minha terra, afortunados são aqueles que a recebem. Aos poços que a recolhem, a água não lhes faltará, cheios, reflectirão as palavras que estão por ler, histórias mal contadas, vidas amarguradas pelo trabalho excessivo no campo. Rostos marcados pelo sol, mãos fendidas acostumadas à suavidade das páginas das histórias que os equilibram dos direitos que não lhes são atribuídos. Gente que não se (...)
O corpo protesta com a temperatura elevada, as histórias reclamam por leitores, o viajante das viagens e andanças revoltado pelo pólen que o incómoda a cada hora que passa. Um início de semana de contestação perante as realidades meteorológica, afastamento, e carácter incompatível de ser alérgico aos grãos microscópicos de cor amarela. Em Concavada, aldeia plantada à beira rio, só a esplanada do café atrai as pessoas. Situada no largo da aldeia, junto da estrada, (...)
A saga do vento continua nas viagens e andanças com letras, as meninas e os meninos vêm da escola perfilados, de mãos dadas, como elos para não voarem. É sempre assim todas as vezes que a biblioteca ambulante estaciona junto da escola, não perdem uma visita com a professora que os acompanha sempre. Trazem histórias para devolver, levam outras para que lhes as leiam na escola, são como as nuvens que sobrevoam a biblioteca ambulante. Empurradas pelo vento vêem e vão, chegam (...)