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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Dentro da aldeia, próximo da mercearia, vejo um homem a sair desta, apoiando com uma das mãos metade de uma melancia. A maneira delicada a transportar o fruto, pôs-me a imaginar como seria a trazer histórias à biblioteca ambulante. Frutas originárias das ideias dos escritores, de tamanho variável, entre o grande e o pequeno. De formato rectangular, com casca lisa de cores diversas e fina, ou rugosa e grossa. Têm uma polpa muito suculenta, geralmente branca, embora possam surgir na (...)
Na rua, as mulheres atravessam-na, como se tivessem todo o tempo disponível do dia para percorrem a pé, o arruamento que termina no miradouro, situado sobre uma das extensões do rio Zêzere. Uma paisagem deslumbrante a perder de vista. Até lá, a correnteza de casas, algumas, simplesmente, com gente nas férias de verão, vêem as mulheres a palmilhar a distância. Uma delas apoiada num pau comprido, comanda a caminhada, a outra, ficou para trás a dar dois dedos de conversa, a uma (...)
Estão duas mulheres a especar a biblioteca ambulante, sem pararem de falarem uma com a outra, não tiram os olhares. Não sei o que estão a escorar na direcção das histórias, quererão estabilizar os leitores na aldeia, criando uma relação com as histórias. Há mais não leitores, do que aqueles a frequentarem a biblioteca ambulante. Não existe equilíbrio, há uma assimetria manifestamente tendenciosa aos que não lêem. Em todas as aldeias da minha terra acontece esta (...)
O rio Zêzere no seu ponto de chegada à barreira que modera o seu curso natural, desaperta as águas para podermos estreitar relações mais próximas. No Bairro Cimeiro, o horizonte estende-se a perder de vista, um vasto espaço para escrever histórias sobre as pessoas destes lugares. Imaginar como seriam os lugares antes da construção da parede que fez parar o rio. Em Martinchel o barbeiro, em pé, à porta do estabelecimento, está a escrutinar, o aparecimento de algum cliente para (...)
O sol, não abriu ainda o horizonte, a luz para a aldeia alcançar outros conhecimentos. A biblioteca ambulante, espalha a luz que pode, é o atalho para descobrir outros lugares, e povos. Entrando pela sua porta, é experienciar estímulos diferentes, atravessar uma comprida ponte suspensa. Olhar páginas de horizontes desconhecidos, sentir a agitação do equilíbrio em cima das tábuas, suportes das primeiras escritas. O vento forte bate nos rostos, paralisados na surpresa, das (...)
O denso nevoeiro envolve as aldeias da minha terra a norte do rio Tejo, aquelas, cujos alicerces estão constantemente a banharem-se no rio Zêzere. Do alto das suas escarpas este último rio perde-se no horizonte, seguindo-o, a montante, podemos adivinhar os montes Hermínios com os cumes cheios de neve. A aldeia está adormecida na obscuridade desta atmosfera aquosa, há pouco tempo uma mulher passou próxima da biblioteca ambulante, dirigindo-se à mercearia, destacando umas pantufas (...)
Cruzei-me com o peixeiro a meio da viagem para a Aldeia do Mato, a biblioteca ambulante e a carrinha do peixe são velhos conhecidos nas estradas das aldeias da minha terra. O peixeiro e o viajante das viagens e andanças incansáveis à procura de fregueses, o primeiro a buzinar uma melodia conhecida de todos, alertando as populações da sua aproximação, o segundo no veículo de cor amarela,  com as flores e os monumentos expressados na carroçaria, manifestando a chegada das (...)
O coreto na aldeia do Souto  enfeita o pequeno largo, relembra aos insensíveis, a importância que tiveram estas estruturas nas povoações do interior do país. Ao seu redor, escutavam e bailavam debaixo do som das bandas filarmónicas, dos acordeonistas a tocarem sem pararem música tradicional. Festas simples para gentes sem complicações, trabalhadores rurais descarregando emoções, e canseiras de meses de trabalho do nascer ao pôr do sol. Aqui as pessoas tiram vantagem da (...)
Apostaria a leitura de meia dúzia de histórias em cada mês do verão, para isso acontecer a temperatura atmosférica não ultrapassaria os 30º Celcius. Hoje a cor azul do céu dissolveu-se no pano cinzento, a poucos dias de se abrirem as portas ao estio, há muito anunciado como um dos piores, seco e quente. Dante Alighieri nos seus melhores dias nunca imaginou que o conceito do seu Inferno poderia acontecer, ser adaptado, no futuro, aos dias de hoje, nas aldeias da minha terra, (...)
A água na bica não se cansa de correr,  é a terra a expressar-se, a revelar-se aqueles que matam a sede na fonte, ao viajante das viagens e andanças. Ao bebermos dela ouvimos confidencias, as palavras alegres, os queixumes, a leviandade de alguns a cuida-la. Na Aldeia do Mato a leitora aproxima-se a mencionar que não vai levar histórias, só quer conversar comigo, está acordada há algum tempo e sou a primeira pessoa que encontrou. Aos seus olhos os terrenos e casas abandonados e (...)