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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Há quem continue a ficar surpreendido, sem saber bem que veículo é este, que estaciona nos sítios mais pequenos, afastados de tudo e de todos. A biblioteca ambulante é uma aventura, é magia, a história das pessoas. Que escrevem, que lêem, dos lugares menos improváveis onde encontrar leitores, da charneca sempre misteriosa, das criaturas esquisitas, folheando o tempo todo com estranhos movimentos nos dedos, concentrados, num objecto mais ou menos volumoso, conforme a área onde (...)
O chão no largo do Cabrito está cheio de sombras, fios de telecomunicações cruzam-se, na diagonal, paralelamente. Trocas de informações, estabelecem relações na tela negra do alcatrão, correspondências do mundo inteiro, atravessam o largo distante de tudo. Local de entendimento através dos diálogos, conversas nas duas esplanadas, dos dois cafés. Palcos do sussurro do vento, dos mexericos das gentes locais. O largo também é passagem de um local para outro, não tem fim a (...)
A chuva é mesquinha a cair, não lhe escapa nada, atenta, não deixa ficar nada por molhar. Tive que fechar as portas da biblioteca ambulante, proteger as histórias, do afecto extremo da água. Após o almoço, no largo do Cabrito, a precipitação está acelerada, desleixou-se com as pessoas, com os leitores. Não se vê ninguém no largo, os automóveis circulam, como a chuva, cheios de pressa, ignorando a biblioteca ambulante estacionada. Não há tempo a perder com olhares (...)
No largo a projecção das sombras dos cabos e fios das telecomunicações, aéreos, no alcatrão quente, na biblioteca ambulante, apontam o dedo à aproximação das nuvens. A interposição destas na luz do sol irá perdurar, ameaçando com a chuva no final da semana. A estragar investimentos absurdos nos protectores e bronzeadores de factor elevado para não causar queimaduras e deixarem a uniformidade, na exposição dos corpos ao sol, na cor morena. Diminuindo a esperança da (...)
Entrei na aldeia do Vale das Mós, pelo acesso orientado a norte. A rua mais importante, rasga a aldeia do princípio ao fim, nela estão alojados os cafés, a padaria e pouco mais. Leva a biblioteca ambulante ao encontro dos leitores, é uma direcção para outros destinos. As aldeias da minha terra são os prefácios da cidade, têm poucas palavras, são lugares de passagem, lidos em pouco tempo, explicam as motivações das pessoas para as abandonarem. Dão os pormenores, como os (...)
O Dia Mundial do Livro, não podia ter começado da melhor maneira, com a vinculação de uma instituição de apoio à terceira idade na biblioteca ambulante. O incitamento à leitura, através da mediação, em linha recta com o leitor. Ler para quem foi leitor, para quem nunca foi leitor, ou para quem não sabe ler, é o habitual nestas instituições de acolhimento diurno ou permanente. Entusiasmados, continuamos a ir atrás das histórias deles, há sempre algo a surgir da gaveta (...)
As esplanadas dos dois cafés do largo, no Cabrito, estão cheias de pessoas. Bebem café, fumam cigarros atrás uns dos outros, falam entre eles. Há quem passe pelas brasas, sentado de um modo estranho, isolado, sonhando em mais lugares do que este largo, para ir através do tempo. Se abrisse os olhos, na sua frente está o mundo para descobrir, nas histórias, nas palavras daqueles que as escreveram. Na biblioteca ambulante, transportando-as até aos outros largos, noutras ruas (...)
Os pequenos leitores olham as páginas do futuro, o largo, onde o inverno se despede chorando sem parar. Sonham com os ovos da Páscoa, com o Dia do Pai. Descrevem a prenda feita na escola, arrumadas numa sala, aguardando o dia para surpreenderem o pai. A brincadeira ocupava-os a manhã toda, a chegada da biblioteca ambulante retirou-lhes o divertimento. Trouxe-lhes as histórias, desafiou o grupo a ouvirem a Sílvia a ler «Às vezes um abraço não chega». O ruído não gostou muito (...)
Olhares de curiosidade perseguem a biblioteca ambulante, desde o início da rua, na aldeia do Brunheirinho, até ao local onde as histórias tiram a preguiça, abrindo as páginas de par em par. É junto da fonte, do banco vazio de pessoas, e cheio de sol, dos aparelhos de ginástica, nos quais os velhos estiram os membros superiores e inferiores. Espaço adequado para quem quiser, também, esticar um pouco mais o conhecimento, puxarem pela mente, regulando a maioria das funções (...)
A manhã acordou cinzenta, a poeira iludiu-me, a sua semelhança com a densidade do nevoeiro, normal nas manhãs de inverno, obrigou os condutores a manterem os faróis dos veículos acesos. O largo do Cabrito, tem os lugares habituais de estacionamento ocupados, a biblioteca ambulante ficou em segunda fila, sem estorvar os automobilistas e peões a deambularem por aqui, olhando com admiração as histórias. Entrou um leitor, mais ouvinte, retira e coloca, hesita, finalmente, traz os (...)