Vai haver festa na aldeia do Vale de Açor, ultimam-se os preparativos, detalham-se pormenores, adicionando-se as bebidas nos respectivos lugares, estreitos e profundos. Resultantes dos glaciares, hoje denominados frigoríficos ou arcas-frigoríficas. Colocam-se copos, pequenos cilindros, usados durante a festa, contêm material destinado a inflamar a cabeça, a agitar as partes físicas dos aldeões, dos forasteiros, que irão estar presentes na festa. Envergando um resguardo de pano, (...)
A memória prega-nos embaraços, nalguns casos sem que o possuidor do constrangimento tenha consciência. Aconteceu com o Gregório, leitor desde sempre na biblioteca ambulante, segundo a sua mulher, a sua memória é um turbilhão de lembranças. A guerra colonial, os ofícios desempenhados ao longo do tempo, são expulsos repentinamente da cabeça. Está nisto, dia e noite, deitado na cama. Fala sozinho, com o silêncio, traz à tona o passado, pedaços de vida desconhecidos, daqueles (...)
O regresso da chuva retirou força aos grãos microscópicos, companheiros azucrinantes nas viagens e andanças, aos quais tenho muita hipersensibilidade. Vou ter assim um dia calmo relacionado com as alergias, no resto, os leitores, os empréstimos as visitas à biblioteca ambulante vou esperar e ver o que acontecerá. No Vale de Açor os preparativos para a festa nos primeiros dias do próximo mês prosseguem a bom ritmo, soube por um leitor que é a primeira após alguns anos de (...)
Algumas nuvens aproximam-se empurradas pelo vento frio, não prometem chuva, mas podiam puxar os leitores ao encontro da biblioteca ambulante. Um deles não virá, foi a uma consulta médica segundo a sua mulher, atenciosa veio informar o viajante das viagens e andanças da impossibilidade do Gregório. Acrescentou que a leitura da história cativa temporariamente na sua casa não estava terminada, um conforto para ela, que trouxe a notícia. O vento continua a soprar, com ele veio uma (...)
As nuvens mancharam o céu azul, o mestre entornou um monte de tristeza nesta tarde de primavera. Alastrou-se pelo horizonte adiante, o aparo da sua caneta a escrever o destino do universo quebrou-se, o borrão estragou o pano. Há momentos em que o pintor inspirado desenha nuvens insinuando formas, figuras conhecidas, alegra-me observar estas representações expressivas. A imaginação de cada um decifrará a ilustração, o importante é analisar, ler. Assim estão a comportarem-se os (...)
Lá fora o sol está queimoso, cá dentro o calor da leitura provoca risos e choros. A história desenrola o novelo de palavras, de mão em mão as linhas vão preenchendo pontos, lugares ocupados por memórias arrumadas. As palavras lidas em voz alta chegam a esses sítios intímos, as linhas são boas condutoras, conduzem despertadores de sentimentos, alertam desatenções, pequenos pormenores. A hastezinha de aço não para, puxa a linha atrelada, pica, pica, pica, sem se cansar, as (...)
Vi uma raposa atravessar a estrada, uma seta disparada pela besta de Guilherme Tell não levaria mais velocidade. Acabou por se camuflar após entrar na charneca, não há vinhas, muito menos uvas às quais possa retirar alimento, a amizade com a cegonha terminou, surgiu não sei de onde, ou assumiu-se como um corpo visível em movimento, escapada de uma história. Então sou eu que estou num qualquer universo fictício, daqueles usados nos romances. Um mundo imaginário conduzindo a (...)
Na sombra das histórias as leitoras examinaram o pequeno compartimento onde cabem as vozes do mundo inteiro. Suprimidas na oralidade muitas delas foram na escrita que atingiram a vitalidade merecida. Olharam com atenção, pesquisando em cima, em baixo, acreditando que encontrariam as histórias que traziam escolhidas há muito. Conseguiram alcança-las, foram elas, não foi o viajante das viagens e andanças que as guiou, sabem o caminho até ao local da permanência da biblioteca (...)
A chuva vem e vai, umas vezes afável, noutras brava, interrompe trabalhos realizados ao ar livre, impede as pessoas da aldeia de saírem das suas casas. Do interior da biblioteca ambulante, o som da água a bater no tejadilho dá a ideia de que o mundo está para desabar, possivelmente não andaremos longe disso no estado actual da humanidade, mas no momento é somente chuva torrencial. No intervalo, em que a chuva foi não sei aonde, o Gregório aproximou-se, veio informar que não (...)
A chuva abundante não impediu o Gregório de comparecer na biblioteca ambulante, apressado para não submergir na água excessiva, mas necessária para dissipar o prolongado estio. O Gregório não tem falta de leitura, as palavras entram nele, como as águas do rio correm sem se deterem até ao oceano. A chuva continua a malhar na terra como há muito não testemunhava, exceptuando o leitor e as duas mulheres que finalizavam a compra de farinhas para os animais, noutro veículo (...)