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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

03.04.25

Vai ser um pacto entre nós ...


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A roupa, de feitios diversos, camisolas, calças, saias, vestidos; com ligação muito forte às pessoas, desiguais no tamanho, estão espalhadas pela superfície da mesa. Continuam expostas, penduradas em cabides na porta traseira aberta da carrinha, no interior colocadas em caixas de cartão, bem organizadas. Caso se esgotem os exemplares que estão à vista, na carrinha há um armazém, onde a vendedora recorre caso seja necessário. Sorrateiro, aproximei-me da mulher, não parava de falar em voz alta, tentando atrair a clientela, a seduzir com preços acessíveis quem passava perto. Olhou-me de alto abaixo, a medir a estatura, apontando imediatamente o rosto para a roupa estendida na mesa. Como se eu fosse adquirir algum daquelas peças, pegou numas calças, e num pólo,  esforçando-se para que as comprasse. Neguei a oferta do negócio que me estava a propor, disse-lhe ao que ia, ficou boquiaberta, desconfiada. Convenci a mulher a deixar-me colocar histórias no meio da roupa, no início achou a minha proposta despropositada, roupas e livros, tudo misturado.Tentei novamente, explicando que os livros juntos, desordenadamente com a roupa, seriam uma fonte de curiosidade. As pessoas estimuladas pelos livros e roupa unidos na mesma mesa, olhariam de uma maneira diferente o que estava a acontecer ali. Sem tirar os meus olhos do seu rosto, sério, continuei a explicar-lhe, queria que ambos fizéssemos. Suponha os clientes a chegar, a escolherem a roupa para usarem, ao mesmo tempo dão de caras com histórias debaixo das camisolas, em cima das toalhas de banho, a calçarem as meias. Faremos os dois o seguinte, quem levar uma história para ler, pode adquirir duas peças de roupa pelo custo de uma. Fui imediatamente interrompido, a sua voz alta ecoou nas vizinhanças, impropérios saíram da sua boca aberta, mostrando a ausência de alguns dentes. Você está maluco, não bate bem da cabeça, disse ela, não pode ser assim, o negócio assim não tem futuro. Tenha calma, disse eu, de braços erguidos, como se estacasse as suas palavras azedas. Após lerem as histórias, ao regressarem para as devolver na biblioteca ambulante, comprarão outras roupas. Vai ser um pacto entre nós e os futuros leitores, acredite vai dar certo. Ohhh! homem desapareça da minha frente, vá lá para a biblioteca ambulante, faça como eu, grite, ponha-se a berrar, chame-os você para lerem.